domingo, 25 de janeiro de 2009

Matéria da Poesia

Todas as coisas cujos valores podem ser disputados no cuspe à distância servem para a poesia

O homem que possui um pente e uma árvore serve para poesia

Terreno de 10x20, sujo de mato – os que nele gorjeiam: detritos semoventes, latas servem para poesia

Um chevrolé gosmento Coleção de besouros abstêmios O bule de Braque sem boca são bons para poesia

As coisas que não levam a nada têm grande importância

Cada coisa ordinária é um elemento de estima

Cada coisa sem préstimo tem seu lugar na poesia ou na geral

O que se encontra em ninho de joão-ferreira :caco de vidro, garampos,retratos de formatura, servem demais para poesia

As coisas que não pretendem, como por exemplo: pedras que cheiram água, homens que atravessam períodos de árvore, se prestam para poesia

Tudo aquilo que nos leva a coisa nenhuma e que você não pode vender no mercado como, por exemplo, o coração verde dos pássaros, serve para poesia

As coisas que os líquenes comem- sapatos, adjetivos -tem muita importância para os pulmões da poesia

Tudo aquilo que a nossa civilização rejeita, pisa e mija em cima,serve para poesia

Os loucos de água e estandarte servem demais. O traste é ótimo. O pobre – diabo é colosso

Tudo que explique o alicate cremoso e o lodo das estrelas serve demais da conta

Pessoas desimportantes dão para poesia qualquer pessoa ou escada

Tudo que explique a lagartixa de esteira e a laminação de sabiás é muito importante para a poesia

O que é bom para o lixo é bom para poesia

Importante sobremaneira é a palavra repositório; a palavra repositório eu conheço bem: tem muitas repercussões como um algibe entupido de silêncio sabe a destroços

As coisas jogadas fora têm grande importância - como um homem jogado fora

Alías é também objeto de poesia saber qual o período médio que um homem jogado fora pode permanecer na terra sem nascerem em sua boca as raízes da escória

As coisas sem importância são bens de poesia
Pois é assim que um chevrolé gosmento chega ao poema
E as andorinhas de junho.

(MANOEL DE BARROS)
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Gramática Expositiva do Chão (Poesia quase toda)- Manoel de Barros- Editora Civilização Brasileira – edição 1990.

Poesias de Manoel de Barros em Aúdio(na voz de Pedro Paulo Rangel) para download: http://rapidshare.com/files/101881072/UQT2002_Manoel_De_Barros_e_Pedro_Paulo_Rangel.rar

1 Reações:

Diana Valentina disse...

tudo serve pra poesia.
do mais belo ao mais feio.
doce e amargo.
"plantando tudo dá"
né assim?
ê-ê