sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Contagem dos Cílios

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Do 'Livro das Coisas Desimportantes':

- Toda segunda-feira de manhã, após lavar o rosto, contar os cílios superiores do olho esquerdo.


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sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Pensar não dói.

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... meu corpo dói. O pensamento é apenas este e todas as linhas teriam essa frase inicial, mas se elas continuam com outras palavras é porque consegui não deixar a dor me abater enquanto escrevo. O que posso dizer então enquanto todo os dedos doem ao escrever? Posso falar sobre falanges, mas reportaria a dedos e me lembraria das dores. Agora tenho que pensar em algo não-dolorido, mas o que não seria doloroso pensar agora? Mas esperem! Pensamentos doem? Que bom! Não sinto dor em pensar, apenas pensar. Começo a compreender realmente que o pensamento é invulnerável, claro, ele não é corpóreo, mas no campo dos pensamentos não há algo que o atinja? Penso e não acho um pensamento capaz de causar dor ao ato de pensar. Eis então o que procurava: um pedaço de invulnerabilidade nesse meu corpo mortal a mercê de todas as ameaças destrutíveis possíveis. Continua então o pensar e posso ir agora. Perdão pelo texto ser tão curto e dinâmico, mas meus pensamentos são mais rápidos do que a capacidade de capta-los em palavras.


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sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Risadas e álcool (2ª Parte)

- Mas aquele cara tinha um carrão hein...
Ela ia pra casa, mas encontrou uma companheira de trabalho na esquina.
- Não era só o carro que era grande...
Silêncio. A piada era velha e de mau gosto.
- Já vou pra casa...
Conferiu as horas. Madrugada alta. Se benzeu. Mais uma noite de labuta. Merece o dia como descanso.
- Tchau.
- Até amanhã.
‘Infelizmente’, ela pensou.

- Brigaram denovo minha filha?
- Mãe, ele chegou tarde ontem, aí fui perguntar...aí ele nem ligou...fiquei perguntando e ele nem prestava atenção...conseguiu dormir sem nenhum peso na consciência. Acordou cedo e só não me chamou de santa.
- Conversa com ele minha filha.
A mãe, do outro lado da linha, não entendia muito bem a situação, afinal a figura materna dessa história estava mais preocupada com qual vestido irá sair pra trabalhar hoje.
- Tá bem mãe...

Olhou-se no espelho, conferiu os seios, alguns hematomas; alguns homens tem ‘a pegada forte’, as vezes brutal demais para o gosto dela. Mas é o ofício, o cliente tem sempre a razão. Vestiu-se. O celular toca. Sua filha: “-Mãe, ele chegou tarde ontem, aí fui perguntar...aí ele nem ligou...fiquei perguntando e ele nem prestava atenção...”. O resto vocês já sabem; e se a pergunta em sua mente é sobre o porque da mãe dela ser prostituta eu responderia com um sincero ‘é sim, e o ‘porque’ apenas ela sabe, mas é uma boa sogra’. Era uma mulher de muitos verões, mas seu corpo estagnara naquele estágio em que a maturidade é uma benção. “Uma coroa gostosa” , como dissera, certa noite, um jovem cliente seu.

- Uma meota.
Colocou o dinheiro (muitas moedas) no balcão. Olhou ao redor, mesas vazias. Um ar quente vindo da rua. “Sol da porra macho!”. Falou sozinho, pois o dono do bar pegava a meota na prateleira.
- Aqui.
- Me arranja um copinho de plástico por favor?
- Toma.
Agradeceu, saiu sorrindo. Destampou a garrafa, colocou cachaça até a metade ergueu o copo para o sol e disse:
- Sangue de Cristo.
Tomou num gole só e riu por ter dito aquilo. Muitos anos atrás era vinho, agora o sangue era transparente. Seus tempos de batina não eram tão felizes quanto estes de ‘santidade’.
- Celibato é uma tortura humana. – terceira dose.
Bastavam três doses para o seu alcoólico filosofar.
- O homem nasceu para o sexo...e...e...a mulher também é claro...não esqueçamos hein.
“Esqueçamos”, falava só, mas imaginava uma igreja lotada de fiéis ao seu redor.
Procurou assento numa calçada alta, colocou a ‘meota’ do lado esquerdo, ergueu o copo:
- E tentar suprimir isso é torturante, eu que o diga, mas...mas...Oi! Tudo bem minha filha!?
Uma transeunte olhou pra ele e ele educadamente a cumprimentou. Ela, traumatizada com homens bêbados ( seu pai era alcoólatra e violento) apressou o passo.
- Pois é... celibato... coisa do demônio isso sim!Encerrou o solilóquio filosófico e tomou mais outra. Cinco doses o deixavam triste, mas “seus tempos de batina não eram tão felizes quanto esses de ‘santidade’”.

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terça-feira, 2 de setembro de 2008

Como ser um Escritor?

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No Google pergunto: “como ser um escritor?”. Por que perguntei uma besteira dessas? Não sei se é isso, mas tenho por mim que muitos daqueles escritores que vendem seus milhares de “best seller’s” (ou ‘besta numa sela’ como diz uma amiga minha, a Deiviane) aprenderam como ser um escritor justamente numa dessas páginas eletrônicas (mas não dêem muita atenção pra essa minha visão dos Best Seller’s, pois sou um hipócrita e falo mal deles enquanto me divirto lendo alguns).
Não sou anacrônico, nem dispenso as facilidades que a tecnologia pode ‘agilizar’, e nem sou alguém (ou um ninguém) que vai esculhambar o mundo digital só porque tá na moda todos os pretensos escritores fazerem isso. Parece ‘pose’ essa bandeira: “a tecnologia é uma ferramenta do sistema”. Sim, a internet começou no Pentágono, depois disso é grande parte a velha ‘pornografia acessível’. E desde quando o homem não pensa sexualmente? Pois é, a natureza não pode ser sobreposta por algo tão jovem quanto a razão (mas um dia chegamos a maturidade racional [pensam os filósofos racionais]). Não é um grande bem todo esse acervo digital desnecessário, grande parte é descartável e risível até; por exemplo, pra mim o Word é uma máquina de escrever, e nele tem todos os sortilégios de ferramentas que incrementam o texto ‘aqui’ e ‘ali’, coisas que amiúde são só futilidades pra deixar o programa mais caro pra venda.

Mas já ia me esquecendo da pergunta “como ser um escritor?”. Pois é, como? O Google dá umas páginas interessantes como: “Para ser escritor neste país é necessário muito mais do que amar a escrita, do que ter a cabeça fervilhando de histórias, é necessário ser imune à desmotivação”. Não só nesse país, em qualquer canto desse mundo um cara desmotivado não faz nada, mesmo que ele tenha condição financeira, se ele em si não estiver bem nada sairá de suas idéias por mais que tente. A instabilidade do ser humano, física ou psicológica, material ou abstrata não é em si um grande empecilho, vide os tantos ‘instáveis’ escritores que tanto contribuíram para o mundo literário.
O ‘bem’ que eu falo é com sua arte propriamente.

Imaginem então um escritor perguntar-se, “como ser um escritor?”, ele não deveria perguntar-se e sim já ter escrito isso em qualquer lugar, seja num guardanapo do bar quase todo molhado pela água que escorre do copo de cerveja gelada ou no Word. Ele não pode contentar-se em ficar pensando coisas, ele tem que escrever. Como diria eu pra mim mesmo, “pensar escritamente”. Claro, as palavras formam-se na mente, mas Manoel de Barros tinha “nascimentos na ponta do lápis”, portanto deixem que algumas idéias sejam paridas nos seus dedos (se digitadas) ou na ponta de suas canetas ou lápis. Tenha cérebros em cada ponta de seus dedos, mesmo que você só use os indicadores pra digitar. Não perca tempo (como fiz, pra construir esse texto) perguntando esse tipo de perguntas a si mesmo, trave solilóquios mais interessantes com sua pessoa. E não se preocupe tanto com o reconhecimento; pois eu, que sou um desconhecido, diria para outro desconhecido: “- de desconhecido pra desconhecido, ‘não nos preocupemos tanto em ser escritores meu amigo, pois dizer ‘SOU ESCRITOR’ soa como um reles emprego dos tantos reles empregos que esse sistema reles nos reserva para que não nos sintamos tão reles seres humanos. Mas... como é mesmo o seu nome?”.

No entanto, se os louros vierem receba-os e não se sinta um pecador caso os louros venham em formas femininas, ou uma pecadora se vierem em formas masculinas, ou um pecador se vierem em formas masculinas, ou uma pecadora se vier em formas femininas, ou um(a) pecador(a) se vier em formas de cédulas. Receba os louros que lhe agradar.

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V
“Escrever nem uma coisa Nem outra -
A fim de dizer todas
Ou, pelo menos, nenhumas.
Assim,
Ao poeta faz bem
Desexplicar -
Tanto quanto escurecer acende os vaga-lumes.”

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VII
O sentido normal das palavras não faz bem ao poema.
Há que se dar um gosto incasto aos termos.
Haver com eles um relacionamento voluptuoso.
Talvez corrompê-los até a quimera.
Escurecer as relações entre os termos em vez de aclará-los.
Não existir mais rei nem regências.
Uma certa luxúria com a liberdade convém.

(Manoel de Barros - Retrato Quase Apagado em que se Pode Ver Perfeitamente Nada - de "O Guardador de Águas").


Desexpliquemos a nós mesmos. Quem disse que esse pergunta precisa ser respondida? Desrespondamos ela então.
“- Como ser um escritor?” – perguntam.
“-Simples, se o quilo do feijão subir denovo vamos comer soja” – respondem.

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segunda-feira, 1 de setembro de 2008

ÁRVORE

Pelas longas ruas de Paris caminha Catit. Alheia a tudo que acontece a sua volta ela compreende apenas a musica que escuta em seu player digital, uma coletânea repleta de musicas de rock obscuro, entre suas bandas favoritas estão Theater of Tragedy e Tristania, ela adora as guitarras pesadas e o vocal lírico, se pudesse ela cantaria como as vocalistas dessas bandas.

Catit é uma menina, uma mulher de pouco mais de vinte anos, de cabelos loiros, porem os tingiu de preto para combinar com a maquiagem pesada que costuma usar no rosto. O seu corpo esguio e franzino aparenta uma idade ainda menor do que a que possui. Com freqüência é barrada na entrada de Boates que freqüenta, acha um saco ter de mostrar sempre a identidade. Diz odiar essas boates, porem não as para de freqüentar por julgar-las um lugar onde não importa a roupa que use ninguém liga pra você dançando a musica, poderosa em seus movimentos lentos e compassados, no ritmo dos obscuros riffs de guitarra.

Toda a manhã segue o mesmo ritual. Levantar, lavar o rosto, escovar os dentes, não toma café, odeia coisas quentes, prefere um copo de água gelada para poder despertar, o banho que ás vezes toma em seguida também é gelado. Ela veste sempre o mesmo estilo de casaco, de preferência preto. De preferência de couro. Eles escondem o uniforme de garçonete que veste por baixo, não que ela tenha vergonha de sua profissão, mas por não gostar das cores amarela e azul do uniforme, onde já se viu um uniforme de garçonete amarelo e azul, deve ser a combinação de cores mais ridícula de um uniforme de garçonete no mundo inteiro, é o que pensa.

Ao caminhar pelas ruas de Paris ela percebe uma arvore que ela nunca nesses três anos trabalhando no Café du Monde havia reparado. Uma arvore escura, de folhas opacas e raízes expostas. Como nunca havia reparado nessa arvore? Era praticamente uma escultura gótica, suas preferidas, com os galhos distorcidos e fora de ordem como se fossem finos e longos dedos, como que estivessem tentando alcançar às outras arvores, como se fosse ganhar vida móvel em poucos instantes, como se olhasse pra ela e lhe pedisse um abraço. Como nunca havia visto aquela arvore? De repente tinha a certeza de que ela não estava lá antes.

Virou as costas e seguiu seu caminho para o trabalho. Nada ouvia que não fosse a musica “Cure” do Tristania que tocava no momento em seu Player Digital, não ouvia as buzinas, as conversas das pessoas na rua, não ouvia a velha senhora que pedia informação e que a xingava por não ter lhe dado atenção, não ouvia o bom dia que o senhor Olivier da padaria havia lhe dado como o faz todos os dias. – Mas que menina! Um dia ela retribui o meu bom dia. – assim falava o senhor Olivier da padaria. Ela talvez nunca o tenha realmente ouvido desejar o bom dia pra ela já que sempre passava em frente a padaria com o seu player digital no volume maximo, talvez se o tivesse ouvido teria lhe desejado um bom dia também. Talvez.

Dobrou a esquina e depois atravessou a rua. Parou diante da banca de revistas e leu as manchetes em um jornal, nada que realmente tivesse interesse, as manchetes mais importantes do dia eram a respeito da queda da bolsa de valores de New York, nas capas de revistas os rostos de artistas internacionais Hollywoodianos, muito longe da realidade daquela garota de pele clara como a neve. Então ela deixa a frente da banda de revistas e caminha os metros restantes para a estação de metrô.

Desce duas estações depois, o player agora toca um pouco de Lacuna Coil, uma banda italiana que compõe em inglês, da qual tinha algumas musicas que ela gostava. A que estava sendo executada no momento era “Within Me” do álbum Comalies. Ela queria poder cantar do jeito de Cristina Scabbia, a vocalista, mas não conseguia. Às vezes tinha a impressão de nem sequer saber como era sua voz, com certeza não era a mesma que ouvia em sua cabeça quando imitava os vocais líricos das musicas que adorava. Ela passa a catraca giratória da estação e sobe os degraus, agora apenas mais uns quatro blocos ate o Café du Monde, onde iria dar um turno de serviço.
Chega ao local de trabalho no final da musica. Desliga o player como se desligasse a fantasia e voltasse pra realidade.

Entra no café pela entrada de funcionários, vai ate o seu armarinho, tira o seu casaco preto, coloca o player na bolsa que carregava, arruma os cabelos pretos, retoca um pouco a maquiagem, mas pra seguir uma harmonia com o tom do cabelo do que pra parecer um pouco mais bonita. E ela era linda. Absolutamente uma menina linda. Uma mulher linda de lábios finos e definidos. De nariz pequeno e levemente empinado. De sobrancelhas expressivas. Chamava a atenção dos clientes, mas nunca respondia as suas investidas, as cantadas eram freqüentes, algumas sutis e criativas, outras nem tanto. E quem disse que o homem francês é um romântico?

Entrega Cafés e bolinhos, e tortas e torradas, e sucos e refrigerantes. E lava o rosto com cuidado pra não borrar a maquiagem. E aceita passivamente os toques indelicados de alguns clientes mais afoitos. Não gosta daquilo, mas precisa do trabalho. A sua arte, a pintura ainda não servia para pagar suas contas.

Alguns de seus colegas a acham esquisita, já tentaram conversar porem ela não demonstra interesse em conversas. Parece viver seu mundo quando escuta musica, algo alem disso, a realidade por assim dizer, não faz parte da vida dela. É apenas um mecanismo para suprir suas necessidades básicas. Comida, luz, telas e tintas.

Seu turno termina ao final da tarde. Ela pega o seu casaco no seu armarinho e o põe sobre o seu uniforme amarelo e azul, o mais feio uniforme de garçonete do mundo. Caminha de volta os quatro blocos ate a estação, já ao som de seu player digital, desta vez tocando Theater of Tragedy a faixa “As The Shadows Dance”. Adorava essa musica.
O caminho de volta pra casa parecia mais lento que a ida ao trabalho, aproveitava pra admirar a decadência da cidade do amor... ah Paris! Cidade do amor. Nunca me trouxe um outro amor. Apenas me tirou o único que já tive. Era o que pensava Catit ao ver um casal se acariciar na estação.

Morava sozinha, a mãe estava em Amsterdã com o padrasto, haviam se mudado por conta do trabalho dele. O Pai havia cometido suicídio ao saber do romance da mãe com o atual padrasto. Isso as afastou muito mãe e filha. Queriam Catit por perto, mas ela não quis ir morar em Amsterdã. Quis permanecer em Paris. E assim ficou. Sozinha em seu apartamento minúsculo.

Agora ouvia Placebo, uma banda um pouco fora da órbita do estilo que apreciava, mas adorava a musica “Centerfolds” deles. Ate arriscava cantarolar essa em especial: - “Camom Balthazar i refuse to let you die”. Entoava-a baixinho.

Desce em sua estação e caminha de volta pra casa. Pensa na arvore distorcida e de raízes grandes, que somente agora percebeu. Pensa em eterniza-la em uma de suas telas escuras. Ainda tinha certeza que aquela arvore não estava antes naquele local. Caminha em direção a ela. Analisa suas raízes. Pensa que elas parecem uma cama confortável, toda negra e úmida. Talvez não tão confortável. Toca o tronco e sente a aspereza da superfície, um dos galhos parece querer tocar a pele de Catit, em especifico a pele do rosto. Seus olhos se enchem de lagrimas. Ela sentiu uma tristeza ao tocar a arvore ainda maior que a tristeza de sua própria existência. Era como se as duas, ela e a arvore, fossem as criaturas mais tristes e solitárias do mundo.
Retorna agora pra casa, seu minúsculo apartamento, com a maquiagem inesperadamente borrada pelas lagrimas dos olhos. Ainda olha uma ultima vez para arvore e para os seus galhos, e para suas folhas opacas, e para as suas raízes expostas. Desliga o player digital ao mesmo tempo em que liga a música em seu som. Novamente “Cure” do Tristania. Ela caminha para geladeira e toma um outro copo de água gelada, se olha no espelho e cai aos prantos.

As lagrimas se confundem com o rímel que escorre. Ela sussurra algumas palavras. – “Oh mon dieu...”.

Agarra o seus pinceis e sua paleta, mas os atira ao chão em seguida. Abre uma lata de tinta preta e se aproxima de uma tela branca. Arremessa porções de tinta com as mãos e começa a esculpir o que em sua mente era a arvore que havia tocado lá fora. Outra cor, roxo e também tons marrom. Remexeu suas mãos por mais alguns minutos. Estava pronta a pintura. Não ainda faltava algo. E arremessa um punhado de tinta vermelha, que marca a tela como se fosse sangue. Agora esta pronto o seu ultimo trabalho.

Então caminha para a banheira, a água fria como a sua vida. Fria como suas emoções reprimidas. Como os acontecimentos do seu dia. Como a arvore do lado de fora, como o quadro que pintara. Ela entra na banheira e se acomoda. Então ao som da musica que se repetia pega uma faca que usava para abrir as correspondências, em sua maioria contas e cartas de sua mãe, clamando por noticias gostava de ler-las no banheiro. Ela passa a faca em um dos pulsos delicadamente, como se isso fosse possível. Para ela tudo era com grande e poderoso riff de guitarra.

Então a primeira gota mancha a limpidez da água. Vermelha era ela, e depois mais uma outra gota se junta à primeira. E pouco a pouco elas caem. Agora embebidas junto à água, apenas se misturavam e a tornavam turvas. Submerge então a cabeça. Ainda escuta a musica ao fundo. Sua vida não passa diante dos seus olhos como ela havia pensado que seria. O seu sopro de vida lentamente deixa de existir, a tristeza do seu coração é a sua única companhia nessa hora.

Por quê?

Nem mesmo ela sabia.

O fez e pronto.

Turvou a água límpida de vermelho.

Era tão branca como a porcelana da banheira.

Na água vermelha apenas seus joelhos ficaram pra fora.

No outro dia a musica ainda tocava no som...

O senhor Olivier da padaria ainda a esperava para lhe desejar o seu bom dia.

A arvore de galhos distorcidos, tronco áspero e raízes expostas, havia tombado do dia para a noite. Decepada como a vida da menina. Da mulher de vinte e poucos anos. De Catit.

Em seu funeral apenas a mãe, o padrasto e o senhor Olivier da padaria, que falava para a mãe da pobre menina:

- “Ela sempre me desejava um bom dia. Todos os dias”.

A mãe sorri.