segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Encontro

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Ela estava na parada de ônibus quando o carro do seu último cliente da noite parou.
- Não quer uma carona.
Ela olhou desconfiada, pensou se ele teria mais algum interesse além da carona em si.
- Vamos continuar? - ela sempre estava com o seu profissionalismo ativo.
Ele sorriu.
- Não, apenas uma carona sem interesses sexuais.
Ela riu e entrou no carro.
- Posso lhe deixar a um quarteirão da sua casa, pois sei que não vai me deixar te levar até lá.
Ela nada falou, apesar de jovem, ele tinha uma certa experiência em tais situações.
- Mas me diga, eu sei que não te dei prazer e nem ao menos cheguei perto de te dar um orgasmo, o que fizemos não foi vazio?
Olhou para ele com espanto, nunca antes haviam reclamado e muito menos feito uma pergunta tão rude.
- ... apenas dinheiro. - ela foi áspera.
- Sei como é...
- Sabe minha criança? - ela pensou ter atingido o jovem homem com a irônica pergunta.
- Sei, tenho 28 anos, fui garoto de programa dos 17 ao 27 e ganhei muito dinheiro, por isso resolvi ajudar minha irmã quando ela também resolveu tornar-se uma 'acompanhante' pra poder pagar a faculdade, pois ela estuda numa instituição filantrópica...
- Sei qual é... - os dois riram.
- Por isso quando digo que sei o que foi esta noite não estava brincando.
Ela apurou os ouvidos pronta pra escutar o rapaz, sabia que dali viriam boas e verdadeiras palavras.
- ... mas você não precisa se preocupar com minhas opiniões, pois eu conheço o outro lado da moeda. Sei que dentre as pessoas que mais entendem o quanto o sexo é importante são as pessoas que o tornaram uma profissão, não porque estão praticando todo dia, elas sabem que fazem amor fora desses cenários profissionais e é muito mais verdadeiro e prazeroso. No começo confundimos é claro, mas depois adquirimos habilidade pra diferenciar o 'sexo em série' do 'sexo em amor'.
Ela tentou compreender as últimas palavras, mas ele não foi tão claro.
- Sexo em série?
- É, quando nós colocamos o relógio, marcamos a hora e mandamos ver no trabalho carnal, sem nem mesmo sentir que estamos ali, diante de um outro ser humano. É o nosso momento produtivo, em que nossa fábrica que é o corpo produz o sexo enlatado e vendido. Como aqueles produtos todos iguaizinhos nas prateleiras dos supermercados. E nós sabemos o quanto o nosso mercado é super no mundo todo. Pena que não haja superioridade num ato tão vazio.
Ela sabia exatamente do que ele estava falando, olhou diretamente para a fisionomia dele e não piscou durante alguns minutos. Ele, dirigindo, continuava.
- Por isso eu amo fazer amor com garotas de programa, não na hora de trabalho delas é claro.
- E hoje? - ela perguntou sorrindo sentido que podiam ter essa descontração. Ele também riu e continuou.
- Hoje queria ter essa sensação novamente, E tive a sorte de lhe encontrar.
Ela, vivida e experiente, pensou que não se sentiria envergonhada diante de um jovem como ele, mas percebeu que ele tinha uma bela visão da vida que ela tinha.
- Obrigado.
Ele diminuiu ainda mais a velocidade do carro e olhou nos olhos dela.
- E tenho que lhe confessar, poucas hoje em dia tem tanta delicadeza quanto você. Deveria cobrar bem mais. - ele falou claramente, mas temeu que ela não aceitasse tão bem a piada.
- Então temos que nos acertar, pois se mereço... - ela não terminou a frase pois não conteu as gargalhadas.
- Saber seu nome seria pedir demais? - ele bem sabia que ela não se chamava Clarissa.
Ela o fitou mais uma vez sem piscar e exitou.
- Eu... eu...não...posso.
- Entendo, sei como é difícil deixar que saibam quem somos de verdade. Eu mesmo nunca disse meu nome pra nenhum deles ou delas.
-...
Ela permaneceu calada e ficou pensando no que dizer, então se viu ansiosa diante de um homem, algo que há um bom tempo não acontece. A ansiedade transpirou nas mãos e ela não suportou:
- Não precisa parar um quarteirão antes da minha casa, hoje posso te mostrar um pouco de mim mesmo. - ela ficou encabulada com a própria atitude, mas sentiu-se bem em ter esse momento tão comum em sua vida, pois durante um bom tempo ela sempre voltou pra casa sozinha e agora um homem gentil e amável a acompanhava. Ela sorriu com a alma e pode realmente sentir que sua vida não era tão terrível quanto diziam aqueles preconceituosos que um dia ela chamou de amigos.

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