quinta-feira, 5 de novembro de 2009

À Ferreira Gullar

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Vou te emprestar um poema
Sei que não precisas,
Mas empresto mesmo assim.
Um poema ruim,
Pois todos os seus são bons
Um poema assim
Meio música em meio tom
O poema não tem instrumento,
Mas toca qualquer nota
O poema não tem voz
Mas é audível para quem olha
O poema de um cearense
Para um espírito maranhense
Ou melhor, para um corpo sanluisense.
Te empresto todos estes versos
E cada um tem juros e correções monetárias
Juros e correções que há muito já estão pagos,
Pois todo verso teu é uma fortuna que se herda
Um bem invendável, inegociável
A não ser que eu precise comer
Aí pego algumas bananas e pêras
Antes da “hecatombe no prato sob uma nuvem de mosquitos”
Sem “Barulhos” posso comê-las
E saciar essa fome versejante de meus dedos
Só nesse caso pegaria alguns versos seus,
Mas hoje; um hoje sem dia, sem semana, sem mês, sem ano, sem década,
sem século correspondente,
Hoje, nesse momento atemporal, esse momento que pode ser a qualquer momento,
Te empresto este poema.
E só não empresto meu cu porque cada um tem o seu. Essa, dizem, é a lei de deus. Alguns têm violado essa lei e sentam meio de lado; talvez essa seja a penitência divina, mas da Providência entendo pouca coisa, por isso continuemos. O poema virou prosa, mas mesmo assim te empresto ela. Minha prosa é emprestável; imprestável, mas emprestável. Lembre disso. Você não pediu, eu sei que não implorou por nenhuma destas palavras para empréstimo, mas esta é a forma que tenho de agradecer por seus poemas Sujos, -Murros, Galos, Nuvens, Peras, Avenida, Quartel, Roçzeiral, Poemas, João, Veloz, Fotografia; seus poemas finitos, mortais; seus versos tão bons quanto ‘bucetas’, ‘bananas’, ‘peras’, ‘tangerinas’ e ‘cus’. Seu “Poema Obsceno” que é um murro nos testículos de nossa pretensão de ser Brazil e não Brasil. Sua tradução intraduzível, irrepetível, inigualável. “Traduzir-se” daquele jeito só é possível uma vez e você conseguiu (e puta que pariu! Que inveja eu e todos os poetas vivos ou mortos, e ainda por vir, teremos daqueles versos vertiginosos). O poema definitivamente virou prosa, mas mantenho minha palavra: vou te emprestar; e para não terminar em prosa aqui vão os últimos versos:
A poesia não cabe em versos
A poesia não cabe em livros
A poesia é descabida
E só quem a faz caber é a vida.


À José Ribamar Ferreira Gullar, que está ‘Um Pouco Acima do Chão’ ‘Lutando Corporalmente’ com ‘Poemas’, ‘Por você, Por Mim’ ‘Dentro da Noite Veloz’ onde já enfrentou um ‘Poema Sujo’ e um ‘Crime na Flora’ até a ‘Vertigem do Dia’; ao ser-poeta que faz ;dos ‘Barulhos’; vários, variados e desvairados poemas. Obrigado.

D. Q. M.

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3 Reações:

Pequena Poetiza disse...

eu cada vez me encanto mais com tua forma de poetizar
e esse poema e retrato fiel disso

adorei tua brincadeira em versos
uma bela homenagem a Gullar. Só li o livro Barulhos dele... o resto que li foram poemas e versos soltos.

beijos

AllanRoots ( Construção ) disse...

Egua bukino mah, deixa de ser foda cara! ^^

Te Amo Porra! <3

Lia Araújo disse...

retribuindo a visitinha...
Obrigada,
ahh, adorei o poema!